Como Funciona o Multivibrador Biestável com Transistores : Desvendando o Flip-Flop
Você já precisou de um circuito que, ao apertar um botão, ele permaneça ligado, e só desligue ao apertar outro botão? Este é um desafio clássico em eletrônica. O circuito acima, conhecido como multivibrador biestável, faz exatamente isso.
Como o nome “biestável” sugere, ele tem dois estados estáveis de operação. Ele pode permanecer em qualquer um desses estados indefinidamente, até que um comando externo (um “pulso” de um botão) o force a “virar” (flip) para o outro estado.
Em essência, é um circuito de travamento (latching circuit): ele “trava” em um estado e fica lá. É um dos blocos de construção mais fundamentais dos circuitos de controle e comutação analógica.

Neste artigo, vamos desmontar este circuito peça por peça para entender exatamente como ele funciona, usando apenas conceitos da eletrônica analógica.
Componentes Utilizados
Para construir este projeto, você precisará de:
- Transistores: 2x BC548 (ou qualquer transistor NPN de uso geral, como o BC547, 2N3904)
- Resistores:
- 2x 560 $\Omega$ (R1, R4)
- 2x 10k $\Omega$ (R2, R3)
- LEDs: 2x LEDs de qualquer cor (LED 1, LED 2)
- Botões: 2x Botões de pressão (Switches) “normalmente abertos” (S1, S2)
- Chave: 1x Chave liga/desliga (S3)
- Fonte de Alimentação: 1x Bateria de 6V (B1)
O Conceito Principal: O Acoplamento Cruzado e Feedback Positivo
A “mágica” deste circuito está no seu acoplamento cruzado. Observe como os componentes são simétricos:
- O coletor de Q1 (onde o LED 1 está) é conectado à base de Q2 (através do resistor R2).
- O coletor de Q2 (onde o LED 2 está) é conectado à base de Q1 (através do resistor R3).
Essa configuração cria um loop de feedback positivo: o estado de um transistor controla diretamente o estado do outro, e vice-versa.
Na eletrônica analógica, sabemos que um transistor NPN como o BC548 tem dois estados principais que nos interessam aqui:
- Corte: Quando a tensão na base é muito baixa (menor que ~0.7V), o transistor não conduz. Ele age como uma chave aberta.
- Saturação: Quando a tensão na base é alta o suficiente (com corrente fornecida por R2 ou R3), o transistor conduz totalmente. Ele age como uma chave fechada.
O feedback positivo deste circuito garante que os dois transistores nunca possam estar no mesmo estado (ambos em corte ou ambos saturados). Um sempre estará em corte e o outro sempre estará em saturação.
Vamos analisar os dois únicos estados estáveis possíveis.
Estado 1: Q1 Saturado (Conduzindo) e Q2 em Corte (Não-conduzindo)
Vamos supor que, ao ligar o circuito, Q1 sature primeiro.
- Q1 Saturado (Conduzindo): A corrente flui do positivo, passa por R1 e LED 1, e atravessa Q1 para o terra (negativo).
- Resultado: O LED 1 acende.
- Como Q1 está saturado (agindo como chave fechada), a tensão no seu coletor (ponto de conexão com R2) é muito baixa, quase 0V.
- O Efeito em Q2: Essa tensão baixa (próxima de 0V) do coletor de Q1 é aplicada à base de Q2 através do resistor R2.
- Resultado: Como 0V é menor que os ~0.7V necessários para polarizar a base, Q2 permanece em Corte (não conduz).
- Como Q2 está em corte (agindo como chave aberta), nenhuma corrente flui pelo seu coletor. O LED 2 fica apagado.
- A Trava (Latch): Como Q2 está em Corte, não há queda de tensão significativa em R4 e LED 2. A tensão em seu coletor (ponto de conexão com R3) é ALTA (próxima dos 6V da bateria).
- Resultado: Essa tensão ALTA é aplicada à base de Q1 através do resistor R3.
- Essa tensão fornece a corrente de base ($I_B$) necessária para manter Q1 Saturado.
Conclusão do Estado 1: Q1 (saturado) mantém Q2 (em corte). Por sua vez, Q2 (em corte) mantém Q1 (saturado). O circuito está “travado” (latched) e perfeitamente estável.
Estado 2: Q1 em Corte (Não-conduzindo) e Q2 Saturado (Conduzindo)
Este estado é exatamente o oposto e funciona pela mesma lógica:
- Q2 Saturado: O LED 2 acende. A tensão no coletor de Q2 é BAIXA (perto de 0V).
- O Efeito em Q1: Essa tensão BAIXA é aplicada à base de Q1 (via R3), forçando Q1 a ficar em Corte. O LED 1 fica apagado.
- A Trava (Latch): Como Q1 está em Corte, a tensão em seu coletor é ALTA. Essa tensão ALTA é aplicada à base de Q2 (via R2), mantendo Q2 Saturado.
Conclusão do Estado 2: O circuito está novamente estável, mas no estado oposto.
Mudando de Estado: O Papel dos Botões S1 e S2
O circuito permanecerá em qualquer estado em que se encontre até que algo o perturbe. É aí que entram os botões S1 e S2. Eles são os “gatilhos” que forçam a mudança de estado.
Esses botões funcionam “puxando” a base do transistor para o terra (0V), forçando-o a entrar em corte.
O que acontece ao pressionar S1?
Vamos supor que o circuito esteja no Estado 1 (LED 1 aceso, LED 2 apagado).
- Você pressiona S1.
- S1 conecta a base de Q1 diretamente ao terra (0V).
- Isso “rouba” a corrente de polarização da base de Q1, forçando-o a entrar em corte.
- O LED 1 apaga instantaneamente.
- Como Q1 está agora em corte, a tensão em seu coletor sobe para um nível ALTO.
- Essa tensão ALTA agora flui por R2 e polariza a base de Q2 (fornece $I_B$ para Q2).
- Q2 recebe corrente de base suficiente e satura (liga).
- O LED 2 acende.
- Agora, o circuito está no Estado 2.
- O mais importante: Quando Q2 satura, seu coletor vai para uma tensão BAIXA. Essa tensão baixa é conectada (via R3) à base de Q1. Mesmo que você solte o botão S1, essa tensão baixa de Q2 agora é o que mantém Q1 em corte.
O circuito “virou” (flipped) e ficará travado no Estado 2.
O que acontece ao pressionar S2?
Pressionar S2 faz exatamente o oposto:
- Ele aterra a base de Q2, forçando-o a entrar em corte.
- O LED 2 apaga.
- O coletor de Q2 (agora em corte) sobe para tensão ALTA.
- Essa tensão ALTA alimenta a base de Q1, forçando-o a saturar.
- O LED 1 acende.
- O circuito “virou” de volta para o Estado 1 e ficará travado lá.
Conclusão: O Poder do Travamento de Estado
Este simples circuito demonstra um conceito fundamental da eletrônica analógica: a biestabilidade. É a capacidade de um circuito, através do feedback positivo, “travar” em um de dois estados distintos.
Vimos que podemos usar um pulso momentâneo (o clique do botão S2) para colocar o circuito no Estado 1 (LED 1 aceso). E, mesmo após soltarmos o botão, o circuito permanece nesse estado. Da mesma forma, um pulso em S1 ‘vira’ o circuito para o Estado 2 (LED 2 aceso), e ele fica lá.
Essa capacidade de manter um estado após o estímulo ter sido removido é a chave. É o que permite criar chaves “liga/desliga” que não são mecânicas (como um relé de estado sólido), circuitos de alarme que, uma vez disparados, ficam ativados até serem rearmados, e muitos outros sistemas de controle.
É um projeto clássico, seguro de montar (6V é uma tensão muito baixa) e fantástico para entender os pilares do feedback e da comutação em circuitos analógicos.
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